Posted by : JanjoVS 27 de fev. de 2024

— O que está acontecendo?! — perguntava a voz desesperada que vinha das caixas de som espalhadas pela sala de comando.

O pânico não demorou a tomar conta do local com o soar do alarme sonoro de emergência e das luzes vermelhas que piscavam. Técnicos e operadores corriam em todas as direções. Alguns ainda tentavam resolver as centenas de problemas que surgiam do nada, mas a maioria já havia cedido ao caos iminente.

— Ele quebrou as amarras! Está tentando sair da jaula! — respondeu amedrontada uma das operadoras pelo microfone em sua mesa, ao mesmo tempo em que digitava dezenas de comandos, tentando em vão isolar algumas áreas daquela instalação.

— Não deixem quem escape! Estou... — as pessoas na sala aguardaram ainda alguns segundos, sem perceber que a comunicação foi interrompida abruptamente.

Em outra área da instalação, a origem do caos era clara. Em um cômodo que os funcionários chamavam de “Jaula” fiações estavam expostas no teto, equipamentos revirados, cacos de vidro espalhados e corpos humanos jaziam no chão. Os que ainda vivam estavam em seus últimos momentos, mas pensavam que estavam com sorte, porque sabiam que a criatura que estava em sua frente, apesar de extremamente poderosa, trajava uma armadura que restringia sua força física e mental.

A criatura odiava trajá-la. Há muito tempo fora condenada a usá-la, como uma camisa de força, não demorando em se tornar uma prisão. Não foi muito tempo depois que criou consciência de si e do mundo ao seu redor fora encarcerado nela. Os humanos moviam a criatura para vários locais, mas não havia liberdade. Sua prisão estava logo ali, sempre em contato com sua pele, roubando-lhe o tato.

Mas não precisava disso. Ninguém a tocaria. Não receberia afeto. A única função do tato era sentir o frio solitário do metal.

Porém mesmo sem tato ela sentia dor. Lembrava apenas de um brevíssimo tempo em sua vida antes da armadura, mas em sua primeira demonstração de poder, sufocaram-na com aquilo e agora usar seu poder trazia dores de cabeça que chegavam ao seu âmago. E como se não fosse suficiente estava sempre sendo testado por aqueles humanos.

Que tipo de mente doentia iria querer testá-lo, mas ao mesmo tempo limitaria suas capacidades?

“Quem sou eu?” foi o que ele pensou durante anos. “Por que eu estou aqui?” repetia para si mesmo.

Mas nesse dia, seu pensamento foi outro:

“Eu estou pronto.”

E por isso que estava ali naquele momento. Usando seus poderes para segurar uma dúzia de soldados sem que precisasse encostar um único dedo, apesar da dor que sentia. Estava disposto a usá-los para ter a chance de descobrir o que ele era de verdade, mesmo que fosse a última vez que o fizesse.

Ouviu passos ritmados e pesados se aproximando e parando atrás da porta mecânica do cômodo em que estava: A jaula, mais uma de suas prisões.

“Eles estão lá fora... Onde eu devo estar!”

Com o impulso desse pensamento, estendeu o braço em direção aos soldados caídos a sua frente e cerrou o punho. Um coro de gritos altos e breves estourou no ar enquanto os corpos se contorciam, moldados pelo seu punho, implodindo e virando apenas uma massa amorfa de carne, entranhas e sangue.

Voltou sua atenção para a saída do cômodo, e com um impulso de raiva em sua mente, fez a pesada porta de metal ser arremessada para fora como se ali dentro tivesse sido explodido uma poderosa bomba. A parede oposta fora manchada com densas gotas sangue fresco dos soldados esmagados.

Os outros soldados sacaram suas PokéBolas e convocaram uma equipe de Sandslash que prontamente atacaram com Pin Missile. A criatura quase acharia graça, se soubesse o que era esse sentimento, quando viu a expressão de choque dos humanos ao seu redor. Eles não podiam acreditar no que viam: todos os projeteis atirados pelos seus Pokémon estavam parados no ar, como se tivessem sido detidos por algum tipo de barreira invisível. Mas não havia barreira. Ele segurava cada projetil individualmente com sua mente em fúria, e quando decidiu que já podia soltá-los, fez com que voltassem para a direção que vieram.

Alguns segundos se passaram. Todos no prédio sentiram que suas cabeças iam explodir. Alguns desmaiaram e convulsionaram, outros com mais sorte apenas sangraram pelo nariz e pelas orelhas. Aquela era só uma amostra pequena dos poderes d’A Criatura: Ele apenas enviara uma mensagem psíquica propagada em onda pelo prédio.

“QUEM SOU EU?”

O prédio inteiro tremeu, mas pela primeira vez naquele dia, não era culpa dela.

***

A cidade tremera, mas quase ninguém se importou, afinal, eles moravam na Ilha Cinnabar, terremotos eram comuns aos moradores da pequena cidade que existia ali. Há alguns milênios, pessoas decidiram se assentar naquela terra. O solo era fértil e conseguiam plantar de tudo um pouco para sua subsistência. A distância do continente os deixara longe de qualquer tipo de guerra e intrigas políticas.

O único perigo de morar ali era o grande vulcão homônimo, mas há muito ele não entrara em erupção. Os mais antigos ainda contam histórias que ouviram de seus avós, que ouviram dos avós deles e assim por diante; de como o vulcão só atacava se fosse enfurecido, mas que seu espírito era honesto e justo e por isso os deixara viver em sua terra, contato que fossem boas pessoas.

Duas décadas atrás, um laboratório foi construído na pequena vila. Cientistas se interessaram muito pela área e começaram a vim de vários lugares de Kanto para estudar. Aquilo impulsionou a cidade fazendo-a crescer, mas ainda era uma das menores de todo o continente, já que não recebiam muitos forasteiros que não fossem estudiosos ou turistas, ambos só ficavam temporariamente na ilha até cumprir seus objetivos e voltarem para suas casas no continente.

Os locais gostavam de rir dos forasteiros que se desesperavam com os tremores constantes. Aquilo era parte do cotidiano por ali e todos se acostumavam com isso antes mesmo de aprender a andar.

Por isso naquele dia, ninguém se importou quando a ilha tremeu.

Pelo menos da primeira vez.

Logo os tremores ficaram mais frequentes e mais fortes. Aos poucos as pessoas começaram a fazer comentários.

“Nossa, hoje tá tremendo, né?”, perguntavam entre si de maneira despretensiosa.

Mas logo esses comentários insignificantes deram lugar à preocupação genuína. Uma sirene rompeu o som do burburinho nas ruas, avisando que todos deveriam buscar um lugar seguro para se abrigar. Alguns gritos desesperados puderam ser ouvidos, apesar de poucos. As erupções eram raras, mas todos os nativos dali faziam treinamento desde pequenos na escola para esse tipo de situação.

O Grande Vulcão, no entanto, não tinha tempo para se preocupar com protocolos. Antes de qualquer pessoa ter chance de começar a buscar um local seguro, ele fez tremer todo seu corpo e rugiu com a força de um trovão que vinha debaixo da terra, como quem liberava uma imensa raiva. Muitas pessoas cederam ao desespero e gritaram junto.

Todos ficaram atônitos ao verem o que acontecia no topo da montanha: uma nuvem de gás já cobria o céu próximo e pontos cintilantes saltavam e pareciam parte de um grande show.

E antes que pudessem esperar uma enorme coluna de terra e detritos se ergueu, rasgando o chão diante dos olhos de todos. Seu brilho era lindo, mas o sentimento que transmitia era de terror. A cor da lava era quase hipnótica em beleza e pavor. Junto dela desceu pela encosta a nuvem piroclástica, uma visão única de uma fumaça quase sólida formada de gás, cinzas e pedras que prendia a atenção de quem olhava, mas trazia consigo o toque da morte. Se aquilo era realmente parte de um show, tinha saído de uma mente insana.

Todos observaram em choque o topo da montanha. Até hoje ninguém sabe explicar como a lava e a nuvem de cinzas não se estenderam na encosta em direção à cidade, mas percorreu quilômetros nas outras direções. Os mais velhos dizem que o Grande Vulcão devia estar com raiva de algum alpinista sem noção que desrespeitara o local. Mesmo assim, não dava para explicar a visão que todos tiveram de uma criatura saindo da nuvem de fumaça, ilesa, voando em alta velocidade para o norte, cruzando o céu alaranjado do crepúsculo.

***

Rumando em direção a céu, ele se mantinha em linha reta enquanto cruzava a espessa e opaca nuvem de gás. Em meio à luta, calor, destroços e fumaça, sua armadura ruía pouco a pouco, se partindo em pedaços que ficavam para trás e caiam em direção ao solo. Pela primeira vez a sensação gélida do metal foi substituída por um imenso calor que fazia arder sua pele, mas o deixava feliz.

Ao deixar a nuvem de fumaça para trás, a criatura parou por um segundo e observou a paisagem.

A porção do prédio que ficava acima do solo estava em destroços, e provavelmente o que estava no subsolo estaria inacessível, tomado pela gelada água do mar.

A lava sendo expelida do topo da montanha era linda e perigosa, assim como sua própria natureza. Ela gostou disso. Era poético.

A cidade próxima com humanos correndo em desespero, como formigas assistindo a um pé vindo para esmagá-las. De certa forma, ele se sentiu vingado.

Antes de continuar seu trajeto sem rumo com o único objetivo de deixar essa ilha e seu passado para trás, ele teve um último pensamento.

“Eu sou o Pokémon mais forte do mundo.

Mais forte até do que o Mew.”


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  1. Como se dizia em 2014: FIRST!

    Não só sou a primeira a comentar, mas essa tbm é a primeira história da Aliança que tô acompanhando do zero! E que começo, hein?! Vulcão explodindo e tripas sendo derramadas! A fuga do Mewtwo me deu mto Jurassic Park vibes, com o desespero dos cientistas e a busca da criatura por liberdade... Só que com mais sangue HAUHAUHAUHUAH

    E que alegria é te ver empolgado com a escrita dnv! <3 Li tuas Notas do Autor, e devo dizer que por mais que a Aliança esteja cheia de pessoas maravilhosas, vc é uma das que eu mais gosto <3 Sempre acho fascinante tua perspectiva única na escrita, e AeK é a culminação (eita que hj tô falando bonito, só não mais bonito que a piroclástica) desse teu ponto de vista.

    Vida longa a Kanto! Que seja o primeiro de muitos, meu amigo!

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    1. Obrigado Jolly!!! Eu também te adoro, e já disse que aqui é a união nordeste, tem que ter o encontro aliança por aqui!!!
      Acho que minha perspectiva mais científica, e até minha formação mais voltada pra arra acadêmica encaixou muito bem com o tema de Kanto, que tem menos mitologia e mais ciência, mas demorei muito até perceber isso! Dessa vez a história vai, e mais termos piroclasticos-like aparecerão!
      Ah, e sobre o Mewtwo, eu me inspirei muito no filme, que é super filosófico kkkkkkk
      Espero você aqui no próximo capítulo!!
      Smell ya latter!

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  2. Depois da Ilha de Ferro, do Farol de Olivine e do Farol de Cabo Poco, você bateu o recorde de todos e quase levou Cinnabar pra vala já no prólogo! Sinceramente, eu não sei de onde vem esse maldito fetiche por destruição que vocês têm, só sei que preciso tomar cuidado pra não deixar ninguém nessa equipe estressado kkkkkkkkkk

    Mas vamos falar sério agora? Achei legal que você ainda vai manter a essência da versão anterior da história, mas fazendo as mudanças que você acha que devem ser feitas. Eu lembro vagamente dessa cena da fuga do Mewtwo na AEK anterior, mas dá pra notar a evolução na sua escrita, a forma como você descreve os eventos e sentimentos com simplicidade e objetividade, de forma que nem a maldita "nuvem piroclástica" quebrou nosso ritmo de leitura kkkkkk

    Ansioso pra ver como você vai trabalhar suas novas ideias.

    Bem-vindo de volta, bro! õ/

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    1. PÔ! AINDA TEM MUITO CARTÃO POSTAL DE KANTO PRA SER DESTRUIDO! NÃO POSSO PERDER TEMPO!

      É como eu comentei no "Notas do Autor", eu acho que eu fiz mais um "remaster" do que um reboot em si, mesmo mudando algumas coisas mais drasticamente... Fico muito feliz que ache que minha escrita evoluiu!! Sério, pretendo trazer cada vez mais palavras estranhas sem quebrar o ritmo!! E bastante ansioso pra ver o que vão achar do desenrolar da história!

      Obrigado pela re-recepção kkkkkk

      Smell ya later!

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  3. O monstro saiu da jaula. Amei para caramba este inicio! Adorei sua escrita, tu evoluiu bastante em comparação á primeira versão de AEK.

    AGORA VAI ESCREVER MAIS E NUNCA PARE NEM PARA RESPIRAR!

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    1. SAÍ DE CASA COMI PRA CARALHO!!!!

      Obrigado, Shiii!!! Fico muito feliz que vocês achem que eu evoluí tanto assim, espero continuar no ritmo!

      VAMOS TODOS ESCREVER, COMEÇANDO AGORA!

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  4. Se me disser que não se baseou em Elfen Lied ou Akira, é mentira! haha

    E aí, Kill. Dessa vez é pra ficar? xD

    Espero que sim, pois depois de muito tempo até que enfim podemos ter um vislumbre do teu trabalho e pode acreditar que fez uma falta danada. Apesar de ser apenas um prólogo pude sentir de novo aquela nostálgica sensação de estar em Kanto.

    MewTwo sádico? Por quê não? hsudausdh.

    Independente de tempo, o mais importante é desenvolver como você planeja e enxerga o TEU ímpeto para com essa história. Obrigado por não desistir do que acredita e seguir com isso.

    Ansioso pelos próximos caps, e Kanto aí vamos nós!

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    1. Pior que eu nunca assisti nenhum dos dois... talvez eu devesse 👀

      Dessa vez é pra ficar E TERMINAR!!! Já falei que eu vou ser o cara que vai domar essa região que todo mundo abandona!

      Obrigado por ficar feliz com a volta, e por sentir falta da história, apesar das mknhas demoras, vou me esforcar pra não ficar muito tempo entre capítulos. Acho que minha ideia de fazer Kanto um lugar familiar, de ser meio anos 90/2000 e ser algo novo ao mesmo tempo deve tá funcionando de novo agora, mas acho que vai ficar mais nítido nos próximos capítulos!

      Obrigado também por não desistir da minha história, cara!
      Smell ya later!

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